O paradigma de acesso, avaliação e progressão na carreira no ensino superior português, desde o início do séc. XXI, foi-se reconfigurando no sentido de se adaptar a certos padrões internacionais, com principal foco na avaliação e recompensa do desempenho científico das instituições.

Esse rumo estratégico (que também se transmitiu ao Politécnicos, dada a esquizofrenia do sistema de ensino superior nacional, em que os Politécnicos tendem a ser uma cópia fraca da Universidade, e não verdadeiras instituições de ensino e preparação de técnicos profissionais, com ofertas claramente distintas das Universidades) está a fazer com que a preocupação quase exclusiva das instituições de ensino superior seja conseguirem publicar o maior número de artigos em revistas científicas, de preferência naquelas que detêm as mais elevadas posições em certos rankings internacionais.

Sei bem que este foco estratégico tem, essencialmente, duas razões. Primeiro, o enorme atraso ao nível de publicações científicas internacionais (face aos congéneres europeus e norte-americanos) patente em grande parte dos docentes do ensino superior em Portugal – lembro-me bem de, enquanto aluno da licenciatura em Economia na Universidade do Porto, praticamente nenhum professor ter artigos publicados nas revistas internacionais hoje consideras relevantes. Segundo, a procura de financiamento e prestígio, que são hoje obtidos através do número de publicações nas já citadas revistas.

Se é certo que havia que corrigir o desfasamento já aludido, o que agora acontece, penso ser inadequado. Quando se abrem concursos (de professor auxiliar a catedrático) em que a componente científica tem ponderações de 60%, 70% ou até 80%, e os critérios de exclusão por falta de mérito absoluto são o número de publicações e nunca as capacidades docentes, está a dar-se um sinal claro: as instituições querem investigadores, não docentes.

Acontece que as instituições de ensino superior precisam, em primeiro lugar, de docentes: a sua principal função é formar alunos. Não esquecer que os docentes do ensino superior em Portugal não necessitam de qualquer formação pedagógica para ensinar (nem têm qualquer programa tutorial ou estágio). O pressuposto por detrás dessa não exigência é obtuso: os alunos do superior não precisam de pedagogia porque já são suficientemente maduros para aprenderem por si.

Quem já tiver tido experiência no ensino superior sabe bem que essa tal maturidade não é verdadeira. Para além disso, quem tiver sido aluno numa instituição de ensino superior em Portugal sabe outra coisa: abundam os maus professores. Não será porque não se teve em conta as suas competências pedagógicas aquando da contratação, nem se forneceram as formações adequadas ao desenvolvimento das mesmas?

Se é certo que esse problema é antigo no ensino superior, a actual moda de se valorizar fortemente as competências científicas nada faz para o combater, muitas vezes até o agrava: aqueles que têm muitas competências científicas, tipicamente não são as pessoas mais indicadas para ensinar (o melhor pianista não costuma ser o melhor professor de piano, o melhor futebolista não costuma ser o melhor formador de futebolistas).

Enquanto que um bom docente deve ser comunicativo, expressivo, extrovertido, empático e simpático, bom no relacionamento interpessoal, próximo e paciente no processo de ensino, o perfil psicológico de grande parte dos investigadores não é esse – tendem a ser muito focados na pesquisa, disciplinados na observação de dados, na leitura e na escrita, com perfil mais introvertido e, muitas vezes, fracos no relacionamento com os alunos, sem paciência para repetirem todos os anos os mesmos conceitos básicos.

Se é verdade que há aqueles que são bons nas duas coisas (excepções), a forma como o sistema de incentivos está desenhado faz com que ninguém queira dar aulas: no fim do dia, serão as publicações que determinam quem sobe, manda, avalia os colegas e aufere mais. Assim, o acto de ensinar torna-se um estorvo, uma perda de tempo e energia, pois todo o tempo gasto com os alunos nas aulas é tempo a menos para investigar e progredir na carreira.

Mais uma vez, recorrendo às minhas memórias, os grandes professores que tive na FEP não eram (e não são hoje) os mais produtivos investigadores em economia. O acto de ensinar é nobre, não é fácil, merece reconhecimento central e formação contínua.

Defendo, por tudo isto, que sejam criadas carreiras claramente diferenciadas: investigadores, que se ocupariam da produção científica, integrados nos centros de investigação e a quem competiria dar apenas poucas aulas, em formações avançadas (principalmente  de terceiro ciclo) e fazer orientações de mestrados e doutoramentos; os docentes dariam mais aulas (principalmente primeiro e segundo ciclos), fariam acompanhamentos tutoriais aos alunos, receberiam formação contínua ao nível da pedagogia e teriam que inovar nos métodos de ensino e nos programa leccionados. Ambas as carreiras teriam a mesma dignidade, o mesmo vencimento, a mesma rapidez de progressão e o mesmo poder institucional.

Esta especialização laboral – todo o economista e gestor sabem isto – levaria a ganhos de produtividade que se consubstanciariam em ganhos de performance para as instituições de ensino superior: mais investigação de qualidade, mais alunos bem-ensinados e satisfeitos, o que se materializaria em mais receita (mais alunos inscritos, mais financiamento para a investigação). O que agora se faz, contratar professores para serem investigadores forçados a dar aulas, é uma perversidade idiota.

O autor escreve de acordo com  a antiga ortografia.