A desigualdade salarial dentro das empresas é “chocante”, usando os termos de Marcelo Rebelo de Sousa. Os gestores do PSI20 ganharam, em média, cerca de 876 mil euros em 2016, 42 duas vezes a média salarial dos trabalhadores destas empresas. A campeã da disparidade salarial foi a Jerónimo Martins. Num ano, Soares dos Santos ganhou mais de um século de salários de um trabalhador que receba o salário médio do grupo.

Que impacto pode ter esta disparidade salarial? Comparando o PIB per capita nos 5 países com mais e menos disparidades da UE percebemos que mais desigual que Portugal é apenas a Polónia, a Roménia e o Chipre. Além disso, onde a desigualdade salarial é mais gritante os países são mais pobres, e onde a disparidade é menor há mais desenvolvimento.

De facto, há um conjunto de razões para crermos que a desigualdade salarial tem um impacto negativo no desenvolvimento. 1) Promove a concentração de poder nos administradores dos grandes grupos económicos. Veja-se como sucessivos governos se escusam a discutir alterações às leis laborais com a Assembleia da República, eleita por todos, para o fazerem antes com as organizações patronais, escolhidas por alguns e influenciadas por estes gestores. 2) Desincentiva o investimento individual em formação porque a progressão salarial é uma miragem. 3) Como um pequeno aforrador canaliza as suas poupanças para a banca comercial, e um grande aforrador tende a canalizar o capital que acumula para a banca de investimento, a que mais se dedica a atividades especulativas, a disparidade salarial reduz o investimento produtivo, promove especulação e propicia crises financeiras.

Mais ainda, a disparidade 4) reduz também a receita fiscal, pois só a quem tem rendimentos muito altos é fácil e compensatório enviar os rendimentos para as Bahamas e para o Panamá. Prejudica, por isso, os exercícios orçamentais dos Estados e tem um impacto negativo no estado social e no investimento público. Ademais, 5) a desigualdade salarial contrai o consumo, porque, por cada euro adicional no salário, um CEO gasta menos em consumo do que um trabalhador. Acresce que 6) promove desigualdades regionais e a centralização da economia nos grandes núcleos urbanos, já que as maiores empresas pagam enormes quantias aos CEO lisboetas em vez de distribuírem o rendimento pelos trabalhadores que se espalham pelo território. Por fim, 7) promove ainda uma economia de baixos salários, e direciona-a para um desenvolvimento em setores de produção de baixo valor acrescentado, onde administradores possam pagar pouco e ganhar muito.

Na Suíça discute-se a hipótese de limitar a disparidade salarial intra-empresa a um rácio de 12 para 1. Mélenchon sugere 20 para 1. O limite para o leque salarial aceitável numa empresa não é uma medida que se calcule através de uma fórmula matemática. Mas nenhuma norma social o é. E, se as normas atuais nos levaram a aceitar e a tolerar que haja salários astronómicos e disparidades deste nível na economia, então precisamos de criar novas normas.