Em abono da transparência deste texto, começo por fazer uma declaração de interesses. Para além da minha profissão de engenheiro eletrotécnico, sou vereador (sem pelouro) na Câmara Municipal de Lisboa, eleito pelo CDS. Este disclaimer é recomendável, uma vez que irei discorrer precisamente sobre a gestão e as competências da CML no domínio da água.

Recentemente, a CML anunciou que iria proceder à racionalização do consumo de água para rega dos espaços verdes e lavagem das ruas. Considerei, nessa altura, que a iniciativa oferecia limitada ambição e visão para mitigar o problema da seca, tendo para o efeito recordado as propostas do CDS para as redes inteligentes de água e para a eficiência hídrica nos edifícios. Alertei também para o fraco desempenho da cidade em termos de consumo de água por habitante. A CML refutou as críticas do CDS, atestando que o consumo de água tinha diminuído na última década (em valor absoluto), o que de facto é verdade, mas o que está em causa é o consumo per capita. Também é verdade que essa redução resultou mais do enquadramento económico (o VAB do município diminuiu 8% entre 2008 e 2014) e demográfico (Lisboa perdeu cerca de 40 mil habitantes desde 2011) do que da adoção de políticas municipais para o uso eficiente de água.

Impõe-se, por conseguinte, a realização de um fact check sobre a eficiência hídrica em Lisboa. A CML não é diretamente responsável pelo consumo global da água que é distribuída em Lisboa. O principal agente consumidor de água em Lisboa consiste no segmento doméstico (a CML consome cerca de 15% da água distribuída). De recordar também que a autarquia não tem o controlo da gestão da concessionária de distribuição de água em baixa (a EPAL). Com efeito, se estamos de acordo sobre o impacto direto da CML na matriz hídrica da cidade, divergimos sobre a amplitude de ação e a ambição do executivo municipal. A CML pode não gerir a EPAL nem controlar os consumos residenciais, mas é responsável pela definição de estratégias e metas para o uso eficiente da água na cidade. Porventura, o PS da CML delega essa competência no PS do Ministério do Ambiente.

Eu, que acredito no papel das autarquias para a construção de um modelo de cidade sustentável, não hesito em criticar a falta de competência e visão do PS em Lisboa. De acordo com o benchmarking sobre eficiência hídrica da International Water Association (IWA), Lisboa apresenta um consumo médio diário de 260l/hab, enquanto o Porto regista 184l/hab, Sintra tem um consumo de 138l/hab e Braga totaliza 132l/hab. Analisando as estatísticas de outras cidades da Península Ibérica, verifica-se que tanto Barcelona como Madrid são mais eficientes do que a capital portuguesa, registando um consumo diário de 107l/hab. O PS é politicamente responsável por esta ineficiência hídrica, já que o consumo de água em Lisboa aumentou 64% entre 2008 e 2014, enquanto este indicador em Madrid diminuiu 18% no mesmo período (fonte IWA).

A CML pode não apreciar o facto de Lisboa figurar na lista das 15 cidades menos eficientes no uso da água, de entre um conjunto de cerca de 160 municípios, mas não deve ignorar este estudo independente. As análises de benchmarking servem para apoiar os executivos a melhorar o desempenho das suas cidades. Como dizia Lord Kelvin: “If you cannot measure it, you cannot improve it”.