Principal actividade exportadora nacional, o turismo tem tido nesta década um desempenho impressionante. Com taxas de crescimento assinaláveis, os sucessivos recordes fizeram vários títulos na imprensa e quase parecia que o sector era o único capaz de promover o desenvolvimento económico do país. Mais recentemente, o uníssono desfez-se e surgiram vozes que vêem na vinda de turistas a Portugal uma fonte inesgotável de problemas. Um dos mais citados é o da gentrificação, anglicismo que serve para descrever o processo de valorização imobiliária de uma zona urbana, com a decorrente substituição de residentes com menor poder económico por outros mais ricos. Culpa do turismo, dizem. E acusam os estrangeiros que nos visitam, e o alojamento local que acolhe alguns deles, de estarem a expulsar os lisboetas do centro da sua cidade. Normalmente, na base do “achismo”. Eu não lhe conseguirei escapar totalmente, mas, na medida do possível, oferecerei dados.

Gentrificação. Estou convicta de que o centro de Lisboa a conheceu nos tempos recentes. A minha dúvida é de que tal fenómeno se possa atribuir (apenas ou maioritariamente) ao turismo. Não nego que tenha criado alguma pressão sobre a procura, mas creio que o normal é a zona nobre da metrópole, com prédios de traça a preservar e sem espaço para crescer, ser a mais cara. E senão vejamos. Qualquer economista toma contacto, nos primórdios da sua formação, com a expressão latina ceteris paribus, forma algo pomposa de dizer “tudo o resto mantido constante”; o impacto de uma variação de X tem de ser analisado ceteris paribus. Ora, isso não sucedeu claramente no mercado imobiliário: o aumento do turismo coincidiu com uma revisão significativa do arrendamento urbano.

Uma análise do quadro 3.22 dos últimos Censos permite-nos constatar que, em 2011, uma percentagem muito significativa dos contratos de arrendamento nas freguesias do centro da cidade era anterior a 1990. Por exemplo, na do Castelo, 40% deles tinha data anterior a 1975; o que possivelmente explica que 20% das rendas se situasse em valores inferiores a 20 euros (não falta nenhum zero, é mesmo vinte). Já nos Mártires, onde metade dos contratos foi celebrada após 2001, 31% das rendas estavam acima dos 650 euros. Para quem não domina a organização administrativa de Lisboa, é aquela zona que foi martirizada por um incêndio a 25 de Agosto de 1988 e que se tornou a mais cara da cidade antes do “flagelo” dos turistas. Estabelecer causalidade exige um estudo mais aprofundado, provavelmente fazendo uso da Econometria, mas vejo correlações que me fazem suspeitar que o turismo deixa muito por explicar.

E vejo também um centro da cidade reanimado. Enquanto não encontro todos os dados que me permitam fazer estimações, o meu “achismo” vai-me dizendo que Lisboa tem vindo a melhorar, ganhou vida. A sua zona histórica pode estar a passar por uma gentrificação, mas vive indubitavelmente uma “gentificação”. E o turismo não é certamente o único responsável por haver agora mais gente a habitá-la (no sentido lato do verbo), mas julgo que desempenhou neste processo um papel crucial.

A autora escreve segundo a antiga ortografia.

 

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