[weglot_switcher]

Governo admite novo empréstimo ao Fundo de Resolução

Em entrevista, o secretário de Estado do Tesouro defende que venda ao Lone Star afasta liquidação do Novo Banco. Mourinho Félix diz que a operação estará fechada no fim do semestre e admite que, se necessário, o Fundo de Resolução terá um novo empréstimo ou garantia estatal, para capitalizar o Novo Banco.
  • Cristina Bernardo
7 Abril 2017, 07h45

Ricardo Mourinho Félix, numa entrevista por escrito, desvenda algumas das condições do acordo de venda do Novo Banco ao Lone Star anunciada recentemente e que ainda está dependente de condições de eficácia. O Secretário de Estado do Tesouro e Finanças diz que espera fechar a venda no fim do primeiro semestre deste ano. Realça que com este acordo ficou completamente afastada a liquidação do Novo Banco. Mourinho Félix admite ainda que possa vir a ser necessário o Estado conceder uma garantia para que o Fundo de Resolução se financie junto do sistema financeiro, se tiver de injectar capital no âmbito do mecanismo de capital contingente.

Qual é o risco de o Novo Banco ir para liquidação no âmbito do atual acordo?
O acordo que o Fundo de Resolução assinou com a Lone Star é um contrato promessa de compra e venda de ações que assegura que o Novo Banco (NB) passa a ter um acionista maioritário que irá injetar 1.000 milhões de euros de capital. O acordo foi assinado depois de negociações entre o Fundo de Resolução (FR) e a Lone Star que, tendo em conta a configuração do negócio no que respeita a ajudas de Estado, envolveu o Ministério das Finanças e a Comissão Europeia (CE) numa fase final.
Previamente à assinatura do contrato promessa chegou-se a um acordo de princípio com a CE sobre as condições da venda do banco, em particular, sobre os termos do mecanismo de capital contingente e da participação acionista do Fundo de Resolução. Neste contexto, a CE considera que estão preenchidos todos os requisitos que permitem afastar definitivamente a liquidação do banco e, portanto, esse cenário, que tinha sido afastado pelo Governo desde o início, encontra-se agora afastado também pela própria CE. O atual acordo não contempla assim qualquer possibilidade do NB vir a ser liquidado. É um cenário que está definitivamente afastado.

Sendo o LME (troca de obrigações) uma condição de venda, e que depende da aceitação voluntária dos obrigacionistas, e tendo o prazo de liquidação do NB desaparecido, isso não poderá travar o negócio de venda?
O exercício de gestão de passivos, vulgo LME, é uma condição para a conclusão do processo de venda e depende da aceitação voluntária dos obrigacionistas. No quadro da negociação com a Lone Star, o Banco de Portugal (BdP), no papel de Autoridade de Resolução que lidera o processo de venda do NB, em conjunto com a administração do banco, analisaram os diversos cenários de criação de capital, que permitam uma partilha equilibrada dos custos e foi nesse cenário que propuseram levar a cabo um LME que permitisse gerar cerca de 500 milhões de euros de capital.

As condições concretas da proposta a ser feita aos obrigacionistas serão definidas pelo BdP em conjunto com a Administração do NB e em estreita ligação com a Lone Star. Essas condições terão que ser suficientemente atrativas para que os obrigacionistas as aceitem tendo em conta, por um lado, o valor de mercado das obrigações que detêm e, por outro, as consequências que poderão decorrer da não-aceitação do LME. Os investidores são agentes racionais e sabem bem avaliar os ativos que detêm em cada momento do tempo e valorizam seguramente uma solução que lhes permite recuperar o seu investimento, mesmo que tal implique um retorno inferior ao inicialmente esperado. Importa ter presente que a decisão de venda ao Lone Star com os contornos definidos é a opção que permite melhor valorizar o ativo, e desta forma remunerar os obrigacionistas face a soluções alternativas, cuja implementação implicaria a perda integral do investimento dos obrigacionistas.

Qual será o valor do portfólio de activos que ficará debaixo do mecanismo gerido pelo FR?
O portfólio que será gerido no quadro da medida de capital contingente corresponde a um perímetro de ativos bem definido com um valor líquido contabilístico de cerca de 7.8 mil milhões de euros. Este valor altera-se no tempo de acordo com o desempenho dos ativos. O valor dos ativos incluídos neste portfólio no momento do closing será avaliado nesse momento e posteriormente, sempre que sejam apresentadas contas do NB. Todos os ganhos ou perdas que venham a ocorrer até ao momento do closing correm por conta do NB e traduzem-se em variações da almofada de capital que responderá por perdas eventuais antes de qualquer chamada do Fundo de Resolução, no quadro do mecanismo de capital contingente.
O closing da operação de venda do Novo Banco ao Lone Star deverá ter lugar no final do primeiro semestre de 2017.

O Fundo de Resolução pode vender as acções do NB antes dos 8 anos definidos no mecanismo que contempla a gestão de activos e a recapitalização?
O mecanismo de capital contingente não tem como objetivo garantir perdas ou gaps de capital e é isso que o torna diferente de uma garantia em que o FR assumiria todas e quaisquer perdas do portfólio de ativos delimitado.  É um mecanismo de partilha de risco entre parceiros num negócio que, por motivos relacionados com a natureza do próprio negócio, se considera mais adequado do que partilha de perdas de acordo com a participação de cada um dos acionistas pro rata, sem que tal altere as participações acionistas.  O Fundo de Resolução na sua qualidade de acionista responsável pela gestão daquele portfólio de ativos compromete-se a reforçar o capital do NB se e só se perdas no portfólio sob sua gestão puserem em risco os rácios de capital do banco de forma significativa.  Isto quer dizer muito. O FR assume perdas apenas e quando estas deteriorarem os rácios de capital para além da almofada de capital. Mais, a fixação de um limite de 3.9 mil milhões nestas injeções de capital cria um teto à injeção de capital pelo FR. Como é natural qualquer venda do todo ou de parte da participação acionista detida pelo FR não desobriga o Fundo do mecanismo de capital contingente, na medida em que esta medida de partilha de risco está na génese do acordo para venda do banco à Lone Star.

O mecanismo pode cair antes dos  8 anos?
O mecanismo de capital contingente apenas cessa antes do 8º ano caso se atinja o limite de injeção de capital pelo FR, o que se afigura pouco provável; ou caso os ativos incluídos neste portfólio sejam vendidos ou liquidados antes desse prazo, o que seria desejável mas depende sempre das condições de mercado.

Quais são os triggers em termos de capital que levam a accionar a capitalização pelo Estado?
Os rácios de capitais contratualmente definidos têm por base os rácios regulatórios impostos pelo BCE no âmbito do SREP. O diferencial entre o rácio regulatório e o trigger é de 0,8 pontos percentuais no momento da injeção de 750 milhões de capital pela Lone Star, aumentando para 1,5 p.p. após a injeção de 250 milhões adicionais pela Lone Star até ao final do terceiro ano.
A capitalização e a reestruturação do banco deverão ter implicações ao nível dos rácios regulatórios. O aumento da robustez do banco determinará uma redução do rácio de capital aplicado ao NB no âmbito do SREP. É neste contexto que é definido um rácio de capital mínimo de 12%.

Se o FR tiver de pôr capital no NB no âmbito do mecanismo de capitalização quanto é que tem de pôr anualmente?
No âmbito da negociação com a Lone Star ficou definido que as injeções de capital por parte do FR serão feitas uma vez por ano, após a apresentação das contas do NB, tipicamente no início do 2º trimestre. Mais, ficou definido que caso venham a ser necessárias injeções de capital estas não excederão em caso algum os 850 milhões de euros num único ano. O valor é injetado pelo FR no NB como um aumento de capital ao abrigo do mecanismo de capital contingente e não implicará qualquer diluição do FR. O Fundo manterá a participação de 25%, independentemente das injeções de capital que venham a ser realizadas ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Os 850 milhões por ano, caso sejam injectados no NB, são contabilizados no défice público?
Caso o FR venha a realizar injeções de capital, essas injeções de capital e o seu registo nas Contas Nacionais dependerão necessariamente da análise que venha a ser feita pelas autoridades estatísticas no momento. No entanto, tendo em conta que se destinam a cobrir perdas de valor de ativos, poderão vir a afetar o défice das Administrações Públicas, dado a natureza pública do Fundo de Resolução.

A probabilidade de o NB afetar a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo é nula. Não existirá qualquer injeção de capital em 2017, na medida em que a primeira análise sobre o valor dos ativos ao abrigo do mecanismo de capital contingente decorrerá no quadro de apresentação das contas do NB de 2017 que serão aprovadas no final do 1º trimestre de 2018. Mesmo no quadro dessa análise não é expectável que seja determinada qualquer necessidade de capital, uma vez que a almofada deverá ser suficiente para acomodar as primeiras perdas.

O FR não tem os 3,89 mil milhões. Caso seja chamado a pôr capital do NB pede um empréstimo ao Estado? Esse empréstimo aumenta a dívida pública?
Do contrato promessa celebrado entre o FR e a Lone Star é muito claro que cabe ao Fundo fazer as injeções de capital se e quando existam perdas nos ativos incluídos no portfólio definido no mecanismo, que ponham em causa o cumprimento dos rácios de capital mínimos.  O FR tem um conjunto de recursos financeiros limitados e que resultam de contribuições ordinárias dos bancos bem como da afetação da receita da Contribuição sobre o Setor Bancário. O Governo assegurou junto da CE a extensão do atual empréstimo ao FR pelo período necessário para fazer face ao serviço da dívida com o atual nível de contribuições comprometendo-se a não cobrar aos bancos quaisquer contribuições extraordinárias. Decorre do Regime Geral das Instituições de Crédito (que instituiu e regula o FR), que aos recursos financeiros do Fundo poderá acrescer apoio financeiro do Estado sob a forma de empréstimos ou prestação de garantias. Neste quadro, ao FR caberá encontrar os recursos necessários para financiar as injeções de capital se e quando forem necessárias. Se não for possível ao FR encontrar recursos junto do mercado, o Estado nos termos do RGICSF atuará no sentido de assegurar as condições para que o FR honre os seus compromissos.

A forma concreta que venha a ter esse financiamento, um empréstimo ao FR ou a concessão de uma garantia para que o Fundo de Resolução se financie junto do sistema financeiro será analisada e registada nas Contas Públicas quando e se se vier a verificar.

O primeiro-ministro disse que eventuais responsabilidades  não recairão sobre os contribuintes, mas sobre os bancos que asseguram o capital do FR. Mas o FR é uma entidade reclassificada no perímetro da Administração Pública…
As injeções de capital que o FR porventura venha a fazer no NB no quadro do mecanismo de capital contingente, caso venham a ser classificadas como despesa pública pelo facto de o FR ser considerado uma entidade dentro do perímetro das Administrações Pública, poderão afetar o défice.

A ausência de impacto dessas medidas sobre os contribuintes tem que ver com a forma como eventuais responsabilidades do FR serão pagas e quem será o responsável pelo pagamento das receitas necessárias para fazer face a essas despesas. É neste contexto que se afirma que as eventuais responsabilidades recairão sobre o setor bancário, na medida em que será o setor, ao longo do tempo, o responsável pelo pagamento das contribuições ordinárias para o FR e pelo pagamento da contribuição sobre o Setor Bancário. Não serão os impostos pagos pelos contribuintes a fazer face a estas despesas.

No acordo de dilatação das maturidades no empréstimo do Estado, o FR não pode pagar empréstimos contraídos após 31 de dezembro de 2016.  Isso quer dizer que um novo empréstimo do Estado só começaria a ser pago pelos bancos depois de 2046?
Esses são os termos atuais do acordo. Quando e se se vier a verificar a necessidade de novos financiamentos então essa questão pôr-se-á e os termos dos empréstimos serão considerados, respeitando os acordos firmados com a CE.

Esta era a melhor opção para o Novo Banco? Estudaram a possibilidade de repartir os activos do NB pelos bancos do sistema?
Um cenário de repartição dos ativos do banco era aquilo a que a CE denominava de liquidação ordenada e que o Governo português sempre contestou veementemente. Desde logo, porque o anúncio de tal solução determinaria com elevada probabilidade uma saída de depósitos que teria que ser financiada de imediato e uma perda de valor total para os obrigacionistas. A possibilidade de desmembramento do NB e de partilha dos ativos pelos bancos do sistema significaria uma imensa destruição de postos de trabalho e de capital, na medida em que se perderia o capital intangível da instituição. O NB desempenha um papel fundamental no financiamento do setor empresarial e das PMEs.

O primeiro-ministro disse que a nacionalização obrigava a um aumento de capital de 4,7 mil milhões. São essas as necessidades de capital futuras do NB?
Numa nacionalização do NB o Estado seria o único detentor do capital e o responsável por assegurar o cumprimento dos rácios regulatórios. No pressuposto que a CE aceitaria que o Estado fosse o acionista único do NB, o que é altamente improvável dada a posição dominante que o Estado teria no setor bancário, seria necessário assegurar um aporte de capital que não é passível de ser suportado pelo Estado de forma imediata, na medida em que poria em causa o ajustamento orçamental de 2017 e aumentaria a dívida pública de forma muito significativa.

A estimativa com base numa avaliação conservadora das necessidades de capital por parte da CE e do BCE corresponderia a uma injeção imediata num valor entre 4 mil a 4,7 mil milhões de euros com impacto direto no défice e na dívida pública. Tal não significa que sejam estas as necessidades potenciais de capital, na medida em que não consideram o rendimento que se possa gerar na gestão do banco, nem tão pouco uma avaliação das perdas num quadro de normalidade. Esta seria a injeção de capital que determinaria uma probabilidade ínfima do banco necessitar de qualquer injeção adicional no período de reestruturação de cerca de 5 anos. Adicionalmente, todo o risco do balanço do banco ficaria sob a responsabilidade do Estado podendo materializar-se em perdas desconhecidas no tempo.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.