O que distingue a etnia cigana daquela que predomina em Portugal? Tradições e comportamentos. Com o facto de o povo cigano ser por regra nómada a condicionar de sobremaneira a forma como interage com as populações indígenas para onde se desloca.

Um povo emigrante, como o português, procura desde logo a sua integração no local onde se estabelece, não deixando contudo de ter tradições e comportamentos próprios, mas tendencialmente enquadrados no respeito pelas leis locais. Um povo nómada não tem essa predisposição, funciona como um núcleo fechado.

Esta diferença deveria levar o Estado a reforçar substancialmente a oferta pela integração, porque a procura não surgirá de livre vontade do outro lado. No entanto, o processo é tudo menos simples. Logo à partida porque algumas tradições e comportamentos da comunidade cigana não são aceitáveis para a restante sociedade, como, por exemplo, no que diz respeito ao papel da mulher.

Outra questão importante prende-se com a obtenção de rendimentos. Um povo que não procura o enraizamento, não procura igualmente fontes estáveis e duradouras de rendimento, como uma carreira de 30 anos numa empresa, mas sim fontes de rendimento intermitentes, que podem ou não durar bastante tempo, como a venda de rua, e também alguma utilização “profissional” dos subsídios do Estado.

Isto não quer dizer que a maior parte da comunidade cigana não quer ou não trabalha, mas sim que o faz à sua maneira, tal como há quem não aguente passar a vida sentado a uma secretária ou a trabalhar por conta de outrem, etc. O problema está na forma como parte da comunidade cigana trabalha, que não se coaduna com os bons costumes, e foi desse comportamento que nasceu o termo “cigano”, que não deve ser confundido ou generalizado com a etnia cigana. “Cigano” é um termo popular criado para designar o comportamento menos ético, ou mesmo ilícito, de alguns elementos da comunidade cigana, mas que pode ser dirigido a qualquer um que exiba o mesmo tipo de comportamento.

No tabuleiro da “catalogação” de comportamentos, é muito mais fácil generalizar numa minoria do que numa maioria. Basta que existam alguns comportamentos similares e está feita a associação, umas vezes injusta, outras justíssima, como é o caso da classe política, hoje com a sua reputação na lama, devido ao infindável número de casos deploráveis praticados por atuais ou ex-politicos, cidadãos que deveriam ser, em conjunto com os magistrados, o exemplo máximo da honestidade e da salvaguarda dos bons costumes.

Pior que isso, por entre o aparente fel destilado pelas várias forças politicas, a realidade é que o sistema político, como um todo, criou muros para que seja praticamente impossível a sua regeneração ou mudança do status quo, eliminando as ameaças antes mesmo do seu nascimento, nomeadamente ao dificultar a criação de novos partidos.

Um estudo de 2012 do Parlamento Europeu fez a radiografia da situação. Dos 27 estados membros, apenas 12 tinham critérios mínimos de assinaturas para a criação de um partido e, dentre estes, a maioria não passava de algumas centenas, com a Roménia a liderar nas exigências (25.000) e Portugal em terceiro com 7.500. Alguns, como França, Itália, Holanda ou Suécia, nem sequer leis específicas para a formação de partidos têm, ficando apenas regulado nas leis eleitorais a participação dos mesmos. Ou seja, é muito fácil a criação de partidos e a massificação da pluralidade de opiniões.

Em Portugal acontece o inverso. Para além do número absurdo de assinaturas exigido, que recordo aumentou 50% na revisão de 2003, existe uma enorme complexidade nas exigências estruturais dos partidos, com a agravante de que abaixo dos 5.000 militantes o partido pode ser extinto. Adicionalmente, é proibida a filiação em mais do que um partido em simultâneo, ou seja, o legislador não dá o direito aos partidos de colocarem essa reserva, proíbe liminarmente o apoio à pluralidade de ideias – alguém que concorde com ideias/ideais de dois partidos só se pode filiar num deles.

É por demais evidente que o sistema atual limita e muito a criação de novos partidos, protegendo o establishment vigente. É como exigir a uma startup que só possa ser criada com um número mínimo de vendas, impedindo que os partidos possam crescer consoante o seu mérito. Não podem, só podem nascer já “adultos”. Dito isto, o que acha o leitor, são mais perigosos para um Estado Democrático os cidadãos de etnia cigana, ou os “ciganos” engravatados de São Bento?