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“Match-fixing é risco maior do que a dopagem ou violência”

No ICPT, na quinta-feira,11, o presidente do Comité Olímpico apelou à mobilização dos agentes do desporto, para aumentar a competitividade. Leia a entrevista concedida ao Jornal Económico
  • Jose Morgado/ICPT
15 Janeiro 2018, 06h55

O presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) José Manuel Constantino, foi o convidado do último almoço-debate do International Club of Portugal (ICPT), em que falou sobre “a competitividade do desporto português em tempos de globalização”. Avaliou o grau de competitividade no desporto português e abordou os caminhos que se colocam a Portugal para melhorar e aumentar o grau de competitividade. No final, apelou a que se concentrem atenções em orientações prioritárias, que “mobilizem os atores e as organizações desportivas, mas também os responsáveis políticos e líderes empresariais”, para “construir uma dinâmica de desenvolvimento sustentável capaz de projetar o que o desporto representa para o país”.

Em entrevista ao Jornal Económico, falou também sobre as expectativas para os Jogos Olímpicos (JO) de 2020, sobre a sustentabilidade da organização e sobre um dos temas do momento: a viciação de resultados. Este é o resumo da conversa:

Quando tomou posse, disse que o COP terá de enfrentar desafios “particularmente exigentes” para chegar aos Olímpicos de Tóquio. Quais?

Por um lado, uma pressão constante da opinião pública, relativamente a prestações por parte da missão portuguesa superiores àquilo que tem sido o seu registo histórico. E, portanto, poder, precisamente, evidenciar um grau de competitividade superior àquele que tem sido evidenciado nos anos anteriores. E esse trata-se de um caminho difícil, complexo, porque o quadro da competitividade externa alterou-se de forma muito significativa com o novo desenho do mundo, com a criação de novos países, sobretudo, a partir da desagregação da União Soviética e todo aquele conjunto de países que nasceram na Europa, que são países com uma forte tradição e cultura desportiva e com um grau de competitividade muito significativo. Isso alterou de forma radical o contexto da competitividade na Europa. Mudou também os protagonistas.

Estas exigências são exigências que decorrem desta alteração, por um lado, mas também de os sistemas desportivos terem vindo a aperfeiçoar os seus sistemas de rendimento desportivo ao mais elevado nível. O desenvolvimento tecnológico tem também auxiliado nesse domínio e há um conjunto de países emergentes que encontram no desporto, tal como no passado, uma forma de afirmação no mundo. O caso mais impactante é, porventura, a China, que procura também no desporto um palco de afirmação e, portanto, participa nas competições com elevados graus de competitividade.

Para um país pequeno, com uma economia que não disponibiliza muitos recursos para o desenvolvimento desportivo, com uma elite desportiva muito reduzida, torna-se numa situação complexa e é um desafio de facto difícil de ser superado. As minhas palavras têm, no fundo, este contexto.

Como analisa a tensão criada pela participação da Coreia do Norte nos Olímpicos de inverno, na Coreia do Sul?
Estamos ainda sob o efeito devastador do fenómeno Trump e da forma como tem olhado para o mundo global. A forma como o tem feito aumentou e acelerou um grau de enorme conflitualidade entre as duas Coreias. E esse grau de conflitualidade tem procurado ser superado.

Recordo a intervenção de António Guterres, enquanto secretário-geral das Nações Unidas, apelando a um entendimento e uma solução pacificadora nessas relações e, portanto, este era um fenómeno, que não sendo novo, não era expectável que tivesse a dimensão e os riscos que nos últimos tempos assumiu, com cada uma das partes, evidenciando que o botão nuclear está à disposição para ser tocado em qualquer circunstância.

A aproximação entre as duas Coreias, por via da realização dos JO, é muito positiva. Creio que isto valoriza também a dimensão pacificadora que o desporto, no contexto internacional, pode assumir.

Não sendo, no âmbito de elemento pacificador de relações conflituais, a primeira vez que isso ocorre é positivo que, nesta circunstância, tenha sido possível, para já, permitir o diálogo, que haja delegações da Coreia do Norte a participar nos JO. Houve até, tanto quanto julgo saber, um apelo da parte da Coreia do Sul para que os atletas desfilassem sob uma bandeira única. Não sei se isso vai ser possível, mas para já aquilo que foi possível e que é do nosso conhecimento é positivo.

De que forma o COP garantirá que os atletas portugueses se apresentem competitivos ao mais alto nível em 2020?
Procurando que tudo aquilo que está ao nosso alcance e que é da nossa responsabilidade não lhes falte. Ou seja, que as condições de treino, de preparação, de enquadramento em todas as diferentes vertentes – psicológica, médica, desportiva – não faltem, para que nos JO seja apenas o talento dos atletas a fazer a diferença e não as condições que permitem “exponenciar” esse talento.

Naturalmente que o fazemos com este desejo, mas com o conhecimento de que vivemos em Portugal. Somos o país que somos, temos os recursos que temos, temos a vontade que temos, mas também temos as limitações que temos.

Quem compete são os atletas, mas a nossa obrigação é criar todas as condições que estão ao nosso alcance para que seja o talento dos atletas a fazer a diferença e não quaisquer outras razões.

Portugal é bem-sucedido no atletismo, onde atletas como Nelson Évora têm um grande reconhecimento do público, ao contrário, por exemplo, do que acontece no Tiro, que maioria do público desconhece. Como é que o COP garante que um atleta de uma modalidade com menos visibilidade mediática consegue apresentar-se competitivo?
Eu não considero que o facto de as modalidades terem diferente visibilidade mediática reduza a atitude motivacional dos atletas quanto à forma como encaram a sua competição. Não creio que isso seja um fator determinante.

A diferente visibilidade que as diferentes modalidades têm é um facto e o comité olímpico não tem como alterar a situação. Essa é uma realidade com a qual nós temos que trabalhar.

Aquilo que preocupa o COP é que os atletas que participam nos JO, para além das condições de natureza física, que tem a ver com a preparação, possam estar ao seu melhor nível e a atitude emocional e motivacional com que encaram o ato competitivo não limite as suas capacidades.

Os JO são uma competição a uma escala global, que tem um peso muito significativo na perceção que todos nós temos daquele momento e isso também se coloca relativamente aos atletas. Há atletas que têm um rendimento muito significativo antes dos JO e quando lá chegam ficam aquém desse rendimento. Isso pode ser explicado por os picos de forma do atleta não terem coincidido com aqueles momentos. Mas também pode acontecer porque o stress de natureza competitiva, que envolve uns jogos de natureza olímpica, e a pressão que isso coloca, de algum modo debilite os nossos atletas.

Referiu o caso do Nelson Évora. O Nélson Évora é um atleta profundamente competitivo. Para o Nélson Évora esses momentos [os JO] são de ultrapassagem. Ele precisa desses momentos, desse pico, precisamente, para se ultrapassar, para se desafiar. Há atletas que são ao contrário, que quebram [nos JO]. Há casos assim na história do desporto português.

Há o caso do Fernando Mamede.
ExatamenteEra um atleta que naqueles momentos bloqueava, mas não quero chegar a este ponto extremo.

Antes desta entrevista, estive a ouvir a entrevista, para o canal do COP, de uma jovem chamada Marta Pen [Atletismo, prova dos 1500 metros]. A Marta Pen tinha tido uma excelente participação nos campeonatos da Europa, chegou aos JO [2016] e não passou das eliminatórias. E ela disse isto: “Eu estava bem fisicamente, mas faltava-me experiência”. Ela dizia que era importante ganhar experiência e maturidade, conhecimento e condições emocionais que lhe permitam a abordagem daqueles momentos – que são momentos únicos – de forma diferente.
Aí nós temos a obrigação de procurar oferecer aos atletas condições de preparação no domínio psicológico, que evitem este tipo de ocorrências.

Entre [os JO de] Rio e Tóquio, estruturamos o nosso departamento de missões e criámos duas direções: uma direção técnica desportiva e uma direção de medicina desportiva.

Na direção de medicina desportiva integrámos as especialidades de dietética e de psicologia desportiva. Há uma psicóloga que trabalha diretamente com os atletas ou com os psicólogos das federações desportivas, no sentido de aproveitar esse trabalho e de criar respostas mais eficazes nesse domínio. O objetivo final é melhorar o grau de preparação dos nossos atletas para os JO de Tóquio.

As federações desportivas acolheram bem a ideia de criar novas formas de acompanhamento aos atletas? 
Para ser franco, houve federações que reagiram muito bem e houve federações que reagiram menos bem. Por temerem que a nossa intervenção pudesse, precisamente, invadir o campo e a autonomia das federações e de técnicos federativos, mas o nosso objetivo não é esse. O nosso é objetivo é o de acompanhar, conhecer e saber o que se está a passar e disponibilizarmo-nos para poder ajudar naquilo que for necessário. Nós não vamos treinar os atletas.

Eu recordo que um dos objetivos que definiu, quando foi reeleito o ano passado, foi o de “evitar surpresas” [na missão olímpica], como já aconteceu em eventos olímpicos anteriores.

Sobretudo na área médica. Fomos confrontados [no Rio] com situações que ignorávamos e desconhecíamos e nós não podemos correr esse risco. Temos que ter garantias, do ponto vista médico. Pode acontecer lá alguma coisa, mas quando entram para o avião têm de ir aptos e, por isso, nós temos que estar melhor organizados.

E para estarmos melhor organizados temos que ter gente dentro da casa que acompanhe durante quatro anos todo o processo de preparação dos nossos atletas, quer a preparação desportiva quer o estado clínico.

O COP é capaz de garantir que um cenário idêntico ao que se sucedeu nos JO de 2016 com a seleção portuguesa de futebol volte a acontecer? 

Não, não temos forma de garantir. Quem tem possibilidade de definir um outro quadro da situação do futebol nos JO é o Comité Olímpico Internacional no seu relacionamento com a FIFA. É nesse âmbito que se tem que definir, do meu ponto de vista, regras diferentes daquelas que têm vigorado até à presente data e a questão que se coloca é relativamente simples: quer ou não o futebol fazer parte do programa dos JO, na sua dimensão masculina e feminina?

Se quer, não pode depois a FIFA facilitar que nos jogos não estejam os atletas que as diferentes seleções nacionais entendem que são os melhores na respetiva modalidade.

Foi uma situação lamentável e inédita em Portugal. 
Foi inédita, mas dentro da facilidade que a Federação Internacional de Futebol criou às seleções nacionais e, particularmente, aos clubes, que não os vinculou à obrigatoriedade de disponibilizar os atletas para que representassem as seleções nacionais.

Em Portugal tivemos uma situação lamentável, que foi a do próprio selecionador ter imensas dificuldades em encontrar um número de atletas suficiente. Depois, uma outra situação, foi a de termos alcançado por mérito dos atletas um lugar nos JO do Rio e uma parte significativa desses atletas, que alcançaram esse sucesso, não poderem participar porque não foram libertados pelos respetivos clubes.

A viciação de resultados está na ordem do dia. Qual é a sua opinião?
O COP – admito estar enganado – foi a primeira entidade em Portugal, em 2013, a colocar o problema do match-fixing na ordem do dia. Colocámo-lo no programa eleitoral e depois nos nossos programas de ação, porque a perceção que temos do problema é que tem uma complexidade e uma escala que o tornam um dos maiores fatores de risco à integridade do desporto, superior aos problemas da dopagem e da violência.

Não apenas pela forma como ele está disseminado, mas pela sua especificidade e pela complexidade de que é detetá-lo e combate-lo. Contrariamente àquilo que se possa pensar, o problema dos resultados combinados ocorre transversalmente à generalidade das modalidades desportivas, à generalidade dos escalões etários e não se circunscreve àquilo que é o domínio das chamadas apostas desportivas legais, porque há uma situação paralela de natureza ilegal que percorre todas as modalidades desportivas.

Nós fomos a primeira entidade nacional a organizar internamente uma pequena equipa, que é liderada pelo diretor-geral João Paulo Almeida, um dos mais conceituados especialistas em Portugal e internacionalmente sobre o problema do match-fixing, que tem procurado trabalhar este tema com as federações desportivas que recorrem aos nossos serviços, com ações de formação e de sensibilização, assentadas sobre a escala do problema e sobre os sinais que as pessoas devem estar atentas.

Para nossa grande surpresa o problema em Portugal tem uma escala superior àquela que nós imaginávamos. Nós passámos a ser requisitados por federações desportivas de modalidades onde eu estava longe de imaginar que havia situações de combinações de resultados, e em escalões jovens. É um problema grave que põe em causa a credibilidade do desporto.

Este problema é devastador para a credibilidade do desporto, para o qual temos procurado, quer junto dos nossos parceiros desportivos quer junto do governo, sensibilizar para a urgência de se adotar posições de combate a este problema.

Consegue estabelecer um motivo para o problema, que alcança também jovens atletas?
Permeabilidade dos sistemas ao aliciamento de acesso ao dinheiro fácil. Não havendo mecanismos censórios, formativos e punitivos, naturalmente que a possibilidade de ganhar dinheiro com facilidade torna permeável o aliciamento das pessoas e a penetração destas redes, muitas delas ligadas ao crime organizado nos termos desportivos.

E ainda há a questão do doping, embora Portugal não tenha, no seu historial olímpico, atletas apanhados pelo uso de doping. Como é que o COP assegura que um atleta não vai recorrer a substâncias dopantes?
A competência do COP é de natureza pedagógica. O COP espera que a política nacional de antidopagem seja suficientemente cuidada, no sentido de ter um controlo regular e constante sobre os nossos atletas, sobretudo nas modalidades de mais elevado grau de risco e, sobretudo, naqueles atletas que estão expostos em quadros competitivos internacionais.

Não é possível ter um controlo atrás de cada atleta – são cerca de meio milhão – e, portanto, é necessário definir prioridades e definir escalas de risco. Seguramente que nessas escalas de risco estão os atletas de alto rendimento e que têm participação olímpica. Espero que a política nacional contra a dopagem seja eficiente para que possamos estar seguros nos nossos atletas olímpicos.

Há um mês foi noticiado pelo jornal “Record” que o COP abandonou o CNAD [Conselho Nacional Antidopagem]. Por que motivo isso aconteceu? 
Nós cancelámos a nossa participação, salvo-erro, em [meados] 2017 e durante alguns meses o nosso representante do órgão colocou a questão à comissão executiva sobre se se justificava o comité olímpico estar representado – atendendo a que a orientação política nacional antidopagem estava a seguir caminhos, que do ponto de vista do nosso representante, não eram os mais adequados para o exercício eficaz da luta contra a dopagem – e nessa altura nós decidimos que nos devíamos manter por relações de natureza institucional e procurar no seio do CNAD sugerir, corrigir e influenciar para que as coisas tomassem um rumo diferente daquelas que estavam a tomar.

Aconteceu, no entanto, um episódio em janeiro de 2017 que o COP entendeu ser suficientemente grave, no plano institucional, para manter essa representação e esse acontecimento foi o que o Record referiu, que deu origem a uma queixa disciplinar e criminal, pela forma como o presidente da AdoP [Autoridade Antidopagem de Portugal], dr. Rogéro Joia me abordou na via pública.

O Governo aprovou o aumento da despesa do programa para Tóquio para 18,5 milhões de euros. É suficiente para concretizar os objetivos do COP?
A nossa expectativa é de que sim. Mas, a minha apreciação não é definitiva, porque há um fator a ter em conta e que neste momento ainda não conhecemos, que tem a ver com o financiamento às federações no domínio do alto rendimento.

Aquilo que se verificou no ciclo olímpico anterior é que, pese embora o reforço que tenha havido ao COP, relativamente ao ciclo olímpico de Londres, em 2012, houve um subfinanciamento às federações no mesmo periodo para a preparação para o alto rendimento. A consequência que isto teve é que as federações naturalmente procuraram na preparação olímpica algum do financiamento que lhes escapava no domínio do alto rendimento.

Esta situação espero que seja corrigida com as dotações que durante este ciclo vão ser atribuídas às federações, no domínio do alto rendimento e das seleções nacionais, de modo a que os meios disponibilizados sejam suficientes a essas necessidades e não haja tendência de procurar no projeto de financiamento olímpico os recursos financeiros que escasseiam na área das seleções nacionais e do alto rendimento

Essas verbas correspondem ao programa olímpico, mas a estrutura do COP vai além dos JO. Os apoios que o comité recebe são suficientes para investir e cobrir todas as necessidades dos restantes projetos que o COP tem?
Temos financiamento com três origens: do estado, área olímpica internacional e financiamentos privados.
No ciclo olímpico anterior conseguimos encerrar com resultado liquido positivo, pese embora nesses quatro anos – 2013 a 2016 – termos tido anos negativos, mas conseguimos depois fechar o ciclo com um resultado global positivo.

O cenário que eu espero que se venha a concretizar neste ciclo é idêntico, até porque, os sinais da economia são, no início deste ciclo, mais favoráveis do que os de 2013, quando estávamos numa situação pós-troika, ainda sofrer os efeitos letárgicos de uma situação muito gravosa para as organizações desportivas, para os clubes e que abafou muito as possibilidades de desenvolvimento do desporto em algumas modalidades.

E daí o financiamento ao COP, por via da missão olímpica, ter sido mais significativo tenha ocasionado que uma parte desses recursos tenham ido para satisfazer necessidades, que estando ligadas à preparação olímpica poderiam, num outro contexto, ser supridas, por via do apoio regulares das federações e ao alto rendimento.

Eu espero que este sistema se componha e que a dotação com que [agora] fomos reforçados acompanhe também um reforça nos outros domínios, de modo a que na conjugação destes valores nós possamos estar mais fortes e, espero também, mais competitivos do ponto de vista desportivo.

Que outros objectivos tem para este segundo mandato [decorre até 2020], além da melhoria dos resultados desportivos em Tóquio?

Terminar o ciclo com melhores resultados desportivos, com uma perceção mais clara por parte dos portugueses ao âmbito da nossa missão e podermos ser olhados, enquanto organização desportiva, como uma organização exemplar em matérias de governabilidade, transparência e do serviço que prestamos ao país.

O COP tem uma responsabilidade, chamar-lhe-ia, histórica relativamente ao sistema desportivo e a minha obrigação, enquanto presidente, é dirigir a casa de modo a que esse desígnio seja atingido e, se possível, reforçado.

 

[Esta entrevista, aqui reproduzida na íntegra, foi publicada em parte na edição impressa do Jornal Económico, de 12 de janeiro]

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