É difícil ignorar os últimos acontecimentos da Catalunha. Já aqui referi a desagradável judicialização da situação em que os Tribunais ocupam o espaço público ora prendendo, ora proibindo, ora ameaçando, enquanto a negociação política desaparece ou  fica para as calendas. É claro que a situação tratada com a elegância e sensibilidade do paquiderme  judiciário tem tudo para correr mal.  Acresce que com a recente intervenção do Constitucional, ao condicionar a investidura de Puidgemont à sua presença física no Parlamento catalão assumiu contornos de verdadeira “ópera bufa”.

Ou melhor, fazendo justiça aos mais populares heróis da banda desenhada espanhol, inspirou-se nas características de  Mortadelo e Filemón. A genial criação de Ibanez vive, fundamentalmente, das permanentes trapalhadas dos dois personagens sendo que um deles, Mortadelo, tem a particular característica de iludir tudo e todos e safando-se disfarçado (de insecto, réptil, ave, gato, cadeira, mesa, automóvel etc.). Essa característica mágica é digna do  melhor ilusionismo e já a tínhamos visto em Carlos Puidgemont, que ora desaparece de Barcelona, ora está em Bruxelas, ora aparece em Copenhaga, ora ameaça regressar a Barcelona. A verdade é que ninguém, designadamente Madrid e os seus tribunais,  o consegue apanhar.

Para não destoar, o Tribunal Constitucional (TC) espanhol decidiu assumir as característicos do mesmo Mortadelo e emitiu uma extraordinária decisão que envergonha os truques de ilusionista de Puidgemont. Recordemos os factos. Rajoy pediu ao TC que declarasse nula, a título preventivo, a decisão do presidente do Parlament catalão que designou Puidgemont como candidato a chefe da Generalitat. Em resposta, o TC não se pronunciou sobre isso, ou   seja, se deveria admitir ou não essa providência cautelar, mas acabou por  decretar uma coisa completamente distinta que ninguém lhe tinha pedido: que Puidgemont pode ser candidato, mas para isso tem que ir a Barcelona se, para tanto, a Juíza que o mandou prender o autorizar.

Como escreve García Brunet no “La Vanguardia” do passado  domingo: “O que o Tribunal Constitucional conseguiu, isso sim, é magia. Até agora, para tomar medidas cautelares ou para acordar a suspensão de um acto recorrido, havia que admitir previamente o pedido para então dar início à controvérsia. Agora já não. A magia do TC conseguiu separar o oxigénio do hidrogénio sem que a água o salpicasse. Agora pode impedir-se uma investidura sem resolver primeiro a questão da sua admissibilidade. Em conclusão, não há problema algum que o Tribunal Constitucional  não possa resolver. Em seis horas demonstrou que a sua acção não é magia mas sim arte, a arte que é capaz de converter o querer em poder” .

Eu não diria melhor. Acrescentaria apenas que Mortadelo e Filemón entraram em força na questão catalã.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.