No meu último artigo, debrucei-me sobre o discurso que ostraciza quem nos visita. Acoplado a ele costuma estar um outro contra o alojamento local. Usa-se o crescimento deste como prova de que os turistas que cá vêm são pé-descalço; mas, ao mesmo tempo, toma-se como dado que este tipo de acomodação só atrai pés-de-chinelo para defender a limitação dos Airbnb e afins. O raciocínio é claramente circular e quase nunca se socorre de dados.

Sucede que, quando eles – os dados – surgem, esta noção não é confirmada. Pelo contrário, há vários estudos que mostram que existe um segmento para quem a opção pelo alojamento local está nos antípodas do turismo massificado. Uma ideia que também surge no estudo promovido pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. Não raras vezes, a escolha de um apartamento em detrimento da hotelaria tradicional corresponde a um desejo de maior proximidade com a comunidade local, de conhecer os seus hábitos, de ter por uns dias a experiência de viver (por oposição a somente estar) naquele sítio. Em suma, um desejo de autenticidade. Que é mais frequente precisamente nos visitantes considerados mais sofisticados (um quase sinónimo de “com mais poder de compra”). Não admira, pois, que os preços praticados exibam uma enorme dispersão, havendo muitos casos que não se constituem como alternativas baratas aos hotéis. Isto não é dizer que o preço (e a sua relação com a qualidade) não é relevante. É constatar que ele não é o único factor de atracção e que nem sempre é o mais importante.

Mais. Há uns anos, quando estive em Cabo Verde num congresso sobre desenvolvimento regional, as autoridades do país não pareciam particularmente optimistas em relação ao contributo que o turismo nas ilhas do Sal e da Boavista poderia dar para o desenvolvimento económico da região. E a explicação era simples. O crescimento da actividade turística estava a fazer-se com cadeias hoteleiras internacionais, que tendencialmente repatriam os lucros, cujos consumos muitas vezes não são locais e que ofereciam o regime de tudo incluído, o que leva o turista a não gastar dinheiro fora do hotel. O alojamento local é o oposto disto. E, em Portugal, como revela o estudo desenvolvido pelas Faculdades de Economia e de Direito da Universidade Nova de Lisboa para a Associação de Hotelaria de Portugal, a grande maioria dos proprietários tem apenas um registo. Ou seja, apesar de já haver cadeias hoteleiras a investir em apartamentos para arrendamento temporário, este é primordialmente um negócio de particulares.

Por outro lado, o alojamento local apresenta uma flexibilidade que não está presente noutras formas de hospedagem. Um apartamento que hoje está a ser habitado por turistas, amanhã pode ser uma residência a título mais permanente. Um hotel não tem a mesma capacidade de se converter num condomínio. Isto é importante em termos de protecção face a eventuais choques negativos que o sector possa sofrer. E o inverso também é verdade: o investimento não produtivo que durante anos fizemos no imobiliário tem aqui uma oportunidade de passar para o lado dos transaccionáveis. Pode passar a ser investimento que produz e que traz receita para o país. Contabilisticamente, não vai aparecer no PIB como formação bruta de capital fixo, mas não deixa de ser investimento. E daquele de que o país precisa.

A autora escreve segundo a antiga ortografia.

 

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