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Este populismo não é para jovens

População mais velha e com menos escolaridade tem sustentado o crescente sucesso dos líderes de extrema-direita.
6 Janeiro 2017, 06h59

Com eleições este ano em França e na Alemanha, os partidos nacionalistas Frente Nacional e AfD crescem nas sondagens. Num inquérito realizado pela YouGov – plataforma de pesquisa de mercado – 15% dos eleitores franceses inquiridos afirmam que votariam no partido de Marine Le Pen, 13% dos alemães inquiridos votaria na extrema-direita.

“Há em muitos destes partidos e movimentos uma tendência para associar numa mesma agenda política questões identitárias, de restrição à imigração e de segurança, por um lado, com a defesa de políticas proteccionistas e intervencionistas na esfera económica”, afirma André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

A principal preocupação dos eleitores franceses considerados pelo estudo é o estado da economia e Marine Le Pen aposta as fichas num discurso populista que toca no coração – ou no bolso – de quem a ouve. A líder da Frente Nacional declarou na quarta feira, numa conferência de imprensa citada pela Bloomberg, que “a determinação compensa na política e o que Trump conseguiu é a prova disso”, num paralelo com os ventos de mudança que se fazem sentir no outro lado do Atlântico.

Os eleitores franceses a partir dos 35 anos mostram-se mais permeáveis a esta tónica. Por um lado, 50% não são licenciados, por outro, 25% têm mais que a pós-graduação.
Os eleitores mostram preferência por líderes percepcionados como fortes, por se insurgirem contra o sistema, apelando ao lado emocional de uma comunidade, que já partilhou glórias.

Na Alemanha, onde Angela Merkel se encontra cada vez mais fragilizada, a braços com a crise dos refugiados e a ameaça terrorista, são as questões migratórias o cerne das preocupações dos alemães inquiridos. Cerca de 75% dos inquiridos que disseram votar na AfD não têm estudos superiores e quase 90% têm mais de 34 anos. Filipe Faria, doutorado em Ciência Política pelo King’s College e investigador do ISCTE, sublinha que “o terrorismo em solo europeu é um fator incontornável. Gerou-se a sensação de que este fenómeno não poderá ser resolvido pelas atuais elites”.

O Reino Unido, onde o prazo estabelecido pela primeira-ministra para iniciar as negociações oficiais para abandonar a União Europeia é março, tem sido assombrado pelas discussões entre o eleitorado sobre as consequências do Brexit. O UKIP tem mostrado um discurso forte e entre os votantes inquiridos pelo YouGov 75% tem mais de 34 anos e apenas 25% possui licenciatura ou mais.

André Azevedo Alves alerta que “os eleitores com mais idade tendem a votar de forma mais conservadora e também a ter um maior grau eleitoral que os mais jovens”.

Uma questão de identidade

A imigração é um tema central nos discursos que apelam aos ideais nacionalistas. “O que estamos a observar nos EUA e na Europa são reacções à perda de identidade e à homogeneização inerente ao projecto da globalização liberal”, argumenta Filipe Faria.

Em França não há dúvidas: os inquiridos pelo YouGov consideram que os imigrantes têm um efeito negativo no país e minam a cultura identitária. Por seu turno, 36% dos alemães inquiridos não consideram nem negativos nem positivos os contributos dos imigrantes para o Estado alemão, ainda que 30% percepcionam como negativo. Sobre a deterioração da identidade nacional são mais assertivos e 40% asseguram que os imigrantes contribuem para tal. A mesma opinião é partilhada por metade dos inquiridos britânicos – que, contudo, sobre os efeitos negativos ou positivos dos imigrantes no seu país se mostram divididos. “Se acredita que é um cidadão do mundo, é um cidadão de parte alguma. Não entende o que a própria palavra “cidadania” significa”, sentenciou Theresa May, primeira-ministra britânica.

Filipe Faria realça que os movimentos migratórios para o ocidente dos últimos 50 anos “despertaram o reconhecimento da identidade colectiva de raia europeia por oposição ao outro”.
Os Estados Unidos, grande receptor de imigrantes, mostram-se mais abertos a esta questão. Cerca de 36% consideram que os imigrantes enriquecem a sua cultura, contra 31% que afirmam o contrário.

A preservação de uma identidade cultural de um grupo inserido num espaço delimitado por fronteiras sente-se posta em causa nestes países. E a retórica populista encontra aqui uma brecha.

Mudanças com a globalização

O nacionalismo foi utilizado ao longo dos tempos como um mecanismo político, para de uma forma ou de outra, o Estado definir as suas relações. Se no final do século XIX o nacionalismo se tornou um movimento popular entre as massas, o início do século XXI e a globalização poderiam indicar que estes movimentos estavam amenizados.

Mas a globalização trouxe a interdependência: o cidadão já não é somente afectado por decisões do governo nacional, mas de instituições internacionais ou de outros Estados. E o resultado aparentemente paradoxal pode ser este: o crescimento da popularidade destes movimentos nacionalistas. O eleitor vê-se perante a proposta que o seu país não será irrelevante, mas que se reinventará. André Azevedo Alves defende que “ no caso europeu, a insatisfação com as estruturas e partidos nacionais junta-se a um sentimento de frustração por parte significativa dos eleitorados com o processo de integração europeia e as instituições da UE”.

Também Filipe Faria sublinha que “os votos em partidos nacionalistas não são apenas votos anti-imigração, são também votos de protesto contra o status quo”. Os discursos de líderes como Donald Trump ou Le Pen encontram no vazio da falha das promessas das elites agora no poder o espaço de glória.
Pedro Góis Moreira, investigador visitante na Universidade de Dallas, alega que o nacionalismo “não é um fenómeno transitório, ou até mesmo marginal: crises sempre existirão”.

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