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Venezuela enviou cinco mil milhões para fora de Portugal

Empresas do grupo Petróleos de Venezuela são responsáveis por mais de um quarto das transferências para offshores entre 2011 e 2014. Parte “significativa” do dinheiro ficou no ‘apagão’ fiscal.
2 Julho 2017, 20h30

Cinco empresas do universo empresarial da petrolífera estatal venezuelana, PDVSA, efetuaram transferências para fora do território nacional superiores a cinco mil milhões de euros. Um montante que representa mais de um quarto do total de operações transfronteiriças efectuadas entre 2011 e 2014, num valor global de 18,2 mil milhões de euros enviados para paraísos fiscais. Uma parcela significativa do dinheiro enviado para o exterior pela Venezuela, a partir do BES, escapou ao controlo do fisco devido ao ‘apagão’ fiscal de 10 mil milhões de euros.

Fonte da administração fiscal revelou ao Jornal Económico que “parte significativa” dos 5.111 milhões de euros enviados para fora do país por empresas venezuelanas ligadas à PDVSA, entre operações que foram registadas e não registadas pelo fisco, está precisamente na fatia das transferências ocultas, onde apenas três declarações do BES representam 80% dos valores que escaparam ao controlo do fisco (cerca de oito mil milhões de euros), conforme o Jornal Económico noticiou a 10 de março.

A revelação consta do relatório de auditoria da Inspecção Geral de Finanças (IGF) ao chamado ‘apagão’ no registo de milhares de operações para offshores. que excluiu do radar do fisco mais de dez mil milhões de euros entre 2011 e 2014 (56% dos 18 mil milhões declarados). Um montante não registado em 20 declarações que foram afectadas pela falha no processamento que impediu que todos os dados das transferências chegassem ao sistema central.
No documento, a IGF dá conta que alguns dos ordenantes transferiram “montantes significativos” para fora do território nacional, entre eles, “empresas da indústria petrolífera e produtos derivados, com sede na Venezuela”, não identificando, no relatório entregue na Assembleia da República, as empresas em causa devido a sigilo fiscal. No conjunto, segundo o relatório, “transferências no montante de 5.111,38 milhões de euros, o que representa 28.05% do valor total das transferências efetuadas no período em análise”.

Cinco empresas, cinco mil milhões de transferências

O Jornal Económico sabe que em causa estão cinco empresas do universo Petróleos de Venezuela: a PDVSA, cujas receitas da venda de petróleo estavam depositadas no BES de onde partiram 80% das transferências ocultas (7,8 mil milhões de euros) e são parte significativa do dinheiro enviado para offshores; a Petroquímica de Venezuela (Pequiven), empresa encarregada de produzir e comercializar produtos petroquímicos; e a Petrocedeno, integrada pela estatal venezuelana PDVSA (com 60%), a francesa Total (30,3%) e a norueguesa StatoilHydro (9,7%) – tem como uma das suas principais funções tornar mais leve o petróleo extra-pesado produzido na região de Orinoco, viabilizando sua exportação.

À lista juntam-se ainda a Bariven, empresa dedicada à aquisição de materiais e equipamentos para a exploração, produção e refinação e gás. Esta filial da PDVSA tem escritórios em Lisboa desde 2009, posicionando a capital portuguesa como a plataforma a partir da qual são dirigidos os interesses da petrolífera estatal venezuelana nos mercados europeus e árabes. E ainda a PDVSA Petróleo, que explora, extrai, transporta, refina, armazena e comercializa petróleo bruto e hidrocarbonetos.

No total das operações transfronteiriças realizadas entre 2011 e 2014, estas empresas estatais venezuelanas foram responsáveis por mais de um quarto do total de operações transfronteiriças constantes nas declarações modelo 38 (que incluem destinos como Suíça e Luxemburgo que deixara, entretanto, de integrar a lista negra de offshores). Mas a IGF não sistematiza qual é a parcela que ficou no ‘apagão fiscal’ no total dos cinco mil milhões transferidos.
Instada a comentar sobre estes valores transferidos por empresas da esfera PDVSA que não foram registados e escaparam ao controlo da AT, fonte oficial do Ministério das Finanças afirma: “Nada a acrescentar ao que consta no relatório”. Certo é que, segundo o relatório da IGF, cerca de oito mil milhões de euros das transferências transfronteiriças ocultas têm como ordenantes dois grupos económicos, não identificando quais. O Jornal Económico sabe, porém, que esses grupos são a PDVSA e o GES/BES.

“78% do valor global transferido corresponde a transferências cujos ordenantes são entidades não residentes sem estabelecimento estável em Portugal, que por esse motivo não foram devidamente objecto de controlo pela AT, ainda que, num dos casos, o próprio grupo tivesse sede efectiva em Portugal”, lê-se no relatório.

Receitas de petróleo e financiamentos

O valor total de 7,8 mil milhões de euros de transferências declaradas pelo BES tem na base, essencialmente, dois tipos de operações que estão na origem das comunicações declaradas pelo banco à AT: transferências de receitas da venda de petróleo da PDVSA e financiamentos indirectos do BES às empresas do GES, via Panamá, que foram liquidados e sucessivamente renovados junto do ES Bank Panamá.

Neste último caso, o Estado venzuelano não só era cliente do BES com uma conta por onde passava uma parte da das receitas das vendas de petróleo, como também foi investidor no GES. Entre 2011 e 2013, aplicou quase cinco mil milhões de euros da Espírito Santo Internacional (ESI), empresa que tinha um passivo oculto de 1.300 milhões de euros e que foi declarada insolvente no Luxemburgo após a queda do BES.

Segundo fonte da administração fiscal, a transferência de depósitos das empresas venezuelanas, tratam-se de operações que não são tributadas, mas que acabam por ter um peso “significativo” nos montantes enviados para paraísos fiscais, a partir do BES.

No caso da PDVSA – apontada pelo ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, como um cliente importante do banco e que chegou a ter depósitos no banco superiores a dois mil milhões –, o destino foi o Panamá, a praça offshore de que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, deu conta, no Parlamento, que 2014 foi o ano em que quase todas (97,7%) as transferências para este destino ficaram ocultas.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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